Marina Silva
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO – 16-02-2009
O GOVERNO enviou ao Congresso Nacional, no último dia 11, a Medida Provisória 458, que trata da regularização fundiária da Amazônia, após confuso processo de discussão entre os ministérios e de insuficiente participação da sociedade.
O assunto é indiscutivelmente prioritário, pois os objetivos de justiça social, redução da violência no campo e combate ao desmatamento passam por essa regularização, aliás, já prevista no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e no Programa Amazônia Sustentável.
No entanto, sem as devidas correções, ela traz riscos. O de legalizar condutas criminosas, como a grilagem de terras públicas, e o de favorecer novo ciclo de expansão da fronteira predatória. A MP é positiva ao estabelecer condicionantes ambientais para a obtenção do título definitivo da área ocupada e incluir ressalvas de ordem social e ambiental, respeitando áreas previstas para a criação de unidades de conservação e florestas públicas. Ao mesmo tempo, alegam-se dificuldades administrativas para dispensar vistoria prévia de ocupações de até 400 hectares , o que é temerário.
O maior problema está na possibilidade de, ao largo do princípio constitucional do interesse público e da função social da terra, privatizar grandes áreas. Até 2004, só era possível vender terras públicas de até 100 hectares na Amazônia. Em 2005, esse limite passou para até 500 hectares . Em 2008, outra medida provisória permitiu a venda de até 1.500 hectares , sem licitação. Agora, a nova MP permite regularizar essas grandes ocupações, na maioria fruto de grilagem de terras públicas, associada à violência e expansão do desmatamento.
A MP precisa de importantes ajustes que só ocorrerão se o Congresso debater o assunto para valer. Centenas de emendas deverão ser apresentadas, dada a gama de interesses em jogo. A base do governo tem o dever político e ético de, no mínimo, sustentar as ressalvas à transferência indiscriminada de terra pública, mas também precisa negociar correções para pôr freio ao erro histórico de premiar a ilegalidade. É preciso separar posseiros de grileiros, quem tem direitos legítimos de quem atua contra a legalidade.
Também é fundamental prever a criação de novos mecanismos de controle e participação da sociedade na gestão do processo de regularização. Uma vez ajustada, e dentro de uma estratégia de ordenamento territorial, a MP tem tudo para se tornar instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável da região, pondo fim à cultura do fato consumado e dos incentivos à expansão predatória da fronteira de ocupação.
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